Militarização do setor elétrico é cortina de fumaça para ineficácia na Venezuela

O GLOBO MUNDO (BRAZIL)

Irmão de Chávez deixa comando de estatal após intervenção; para analistas, politização levou a crise

Maduro em uma cerimônia em Caracas na última terça-feira

BUENOS AIRES — Em 2012, ano em que Hugo Chávez foi reeleito para governar a Venezuela até 2019, especialistas no setor elétrico estimam que o país sofreu cerca de 800 grandes apagões. A grave crise energética não impediu Chávez de vencer as eleições com mais de dez pontos percentuais de vantagem em relação a seu adversário, o líder opositor Henrique Capriles. Com um resultado muito mais apertado e com o país às voltas com outros gargalos econômicos como inflação, desvalorização e escassez de alimentos, o novo presidente, Nicolás Maduro, foi obrigado a encarar o problema em sua primeira semana de gestão. E optou por acusar a oposição de estar por trás de uma sabotagem e militarizou o setor elétrico. Na visão de analistas locais ouvidos pelo GLOBO, a iniciativa busca, essencialmente, “esconder um dos maiores fracassos da revolução bolivariana”.

Maduro decretou estado de emergência no setor até o próximo dia 21 de julho. Durante esse período, as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) controlarão as operações da Corporação Elétrica Nacional (Corpoelec), criada na era Chávez, que poderá adquirir equipamentos e contratar novos trabalhadores sem a obrigação de realizar licitações prévias. Como resultado da intervenção, Argenis Chávez, irmão do presidente morto em março, deixou o comando da estatal, que ocupava há um ano e meio.

O novo ministro de Energia Elétrica, Jesse Chacón, admitiu que “existe um déficit gigantesco entre os custos de geração, transmissão e distribuição e a renda da companhia”. Chacón também reconheceu que foram compradas “máquinas velhas em lugar de novas” e prometeu “acabar com a corrupção”.

Especialistas como Miguel Lara, até 2004 gerente-geral da Oficina de Operações do Sistema Interconectado da Venezuela – hoje transformada no Centro Nacional de Gestão do setor elétrico -, corroboram as afirmações de Chacón, mas discordam totalmente da teoria chavista da sabotagem.

– A crise é consequência, unicamente, da ineficiência do governo. A Corpoelec foi politizada, como a Petróleos da Venezuela (PDVSA), e os escassos investimentos do governo, com tarifas congeladas há mais de quatro anos, nos levaram à crise atual. Hoje temos um déficit de energia e todos os dias as autoridades da Corpoelec decidem em que região do país será aplicado o racionamento – explicou Lara, afastado de seu cargo após ter assinado um documento a favor da realização de um referendo sobre a continuidade de Chávez no poder.

Investimentos suspensos

O racionamento apontado por ele está causando graves problemas à indústria, segundo o presidente da Confederação Venezuelana de Industrias (Conindustrias), Carlos Larrazábal. Em estados como Zulia, um dos mais importantes do país, a produção de manufaturas recuou cerca de 20% nos últimos meses.

– Os cortes são inesperados e o impacto no setor industrial é muito problemático – disse Larrazábal.

Segundo o dirigente, cerca de 65% do empresariado local não pode planejar futuros investimentos por conta dos cortes de energia.

– Éramos um país de energia abundante e barata, agora é apenas barata – disse Larrazábal.

Os apagões afetam, de acordo com o diretor da federação, estados como Zulia, Lara, Aragua e Carabobo. A capital do país é a única grande cidade que não sofre cortes de energia. Enquanto o resto do país se queixa por uma crise energética que Maduro pretende conter com a presença dos militares nas sedes da Corpoelec, o governo diz estar enfrentando “o fascismo”.

– Nos últimos dias foram detidos trabalhadores e substituídos gerentes – informou o vice-presidente Jorge Arreaza.

Na visão do economista e professor da Universidade Central da Venezuela José Guerra, a estratégia é uma tentativa de camuflar um déficit de 20% na capacidade de geração elétrica no país.

– Quando já não podiam dizer que o problema era a falta de chuva ou a presença de animais que comiam fios e provocavam falhas no sistema, chegou o argumento da sabotagem.

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